domingo, 1 de fevereiro de 2009

O BARRIL DE GASOLINA

Paulo Mota


Ele seduziu minha noiva, com seu jeito de sabidão, homem de letras. Não precisou fazer muito esforço pois, desde que ela entrara na faculdade de jornalismo, achava-se mais inteligente de que todo mundo. Eu, dono de uma pequena oficina mecânica, já não lhe servia mais.Trocou-me pelo homem dos livros.
Natural que tivesse raiva dele. Mágoa que até poderia ter passado, com o tempo, mas ele não deixava. Não dizia claramente, mas parecia sempre fazer questão de me lembrar quem ele era. Só consertava o carro dele na minha oficina. Às vezes aparecia apenas para puxar conversa. Chegou a me pagar cervejas na lanchonete da esquina.
Eu não conseguia evitar essa convivência. Não queria passar por um ressentido. Mas aquilo não me agradava; considerava humilhante.
Naquela noite garoenta, às 10 horas, estava no centro da cidade, quando o vi saindo de um bar. Cambaleava . Viu-me e a voz pastosa com que me chamou, deu-me a certeza de que tinha exagerado na cerveja. “ Preciso de um favor seu. Estou quase sem combustível no carro. Não vai dar para chegar no posto da estrada. Você não tem jeito de me arranjar pelo menos uns dois litros por aí?”
Respondi que na oficina tinha um barril de gasolina, onde a gente deixava, de molho, algumas peças. Podiamos ir até lá. Concordou imediatamente e, em poucos minutos, estávamos a caminho. Percurso relativamente pequeno. Bastava pegar a estrada do costão e descer até o bairro de baixo, onde ficava a oficina. Três quilômetros, se tanto.
Percorrido o primeiro quilometro, ele parou, bruscamente.” Barril de gasolina? Barril de gasolina? Você pensa que eu sou bobo? Pensa que não sei de sua raiva de mim? Também li Edgar Allan Poe. Barril de amontilado. Pode descer do carro!”
Repetia as frases em tom acelerado e apontava-me a porta. Saí. Percebi, então, que, apesar de termos parado no acostamento à beira do trecho mais alto do costão ( a escuridão da noite não permitia ver nada, mas era possível ouvir as ondas batendo nas rochas, 30 metros abaixo), ele não puxara o freio de mão. Contornei o carro, pela frente. Aproximei-me de sua janela, bati no vidro, fazendo gestos de que queria dizer-lhe algo. Ele abriu. Rápido, com o braço direito, alcancei o volante, girando-o todo para a direita. Ao mesmo tempo, com o ombro apoiado na coluna da porta,empurrei o carro, como se faz na oficina, quando a gente quer movimentar um veículo sem entrar nele. O carro deslizou facilmente pelo declive, adernou e, logo , estrondava de encontro às rochas no fundo do despenhadeiro, antes de afundar nas furiosas águas do costão. .
Minutos depois, de volta para casa, andando pela estrada,, o corpo molhado pela chuva e a alma lavada pela vingança, eu refletia sobre as coisas que a gente faz. Acreditem-me:nunca me passou pela cabeça matar o sujeito. A idéia só surgiu quando percebi o local em que ele havia parado o carro naquela noite.
A propósito: quem é Edgar Allan Poe?

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