sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

QUERER NÃO É PODER

Denise Ravizzoni

Eles estão lá enfileirados. Todos corretos, um ao lado do outro. Aquela brancura calcária chega a causar incômodo. Não que provoquem náusea ou coisa parecida. Bem pelo contrário. São de uma alvura tão alva que me fazem perguntar por que caralho, afinal de contas, não são todos assim.
E eu, olhando a brancura brilhando no sol da tarde, esqueço que tudo tem uma moldura. Em volta daqueles dentes há toda uma pessoa, uma boca que beija e fala comigo, uma cabeça que pensa, cabelos, mãos e todos os acessórios que costumam vir no pacote dos seres humanos completos.
Vira uma espécie de obsessão instantânea. Não quero aquela pessoa. Não quero aquele sorriso. Não quero a língua em mim, nem a boca que a contém. Quero só a imagem dos dentes, um frame perfeito congelado no tempo. Alguma coisa que eu possa guardar para sempre. Nunca vi nada tão lindo!
E não falo dessa beleza de revista, de expor as carnes como num açougue para ver qual peça de picanha ou filé nos aguça o paladar. Falo daquela beleza subjetiva, de uma espécie de revelação que acontece, mas que a gente não consegue explicar, dimensionar, sei lá.
Fico imaginando um jeito de capturar esses dentes. Arrancar um a um como fez o louco do conto de Poe com a pobre Berenice? Nem pensar! Trágico demais. Pedir para tirar um molde e confeccionar um modelo em gesso, um souvenir? Frio demais. Não me deixaria feliz.
Então, para ter os dentes, só há uma maneira viável. É preciso que todo o resto acompanhe o conjunto de pedaços brancos que me fascinam. Isso implica ter a boca, os olhos, os cabelos, o pau, os pés, e eu não quero. Só quero os dentes, os dentes, os dentes.

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