
E eu, olhando a brancura brilhando no sol da tarde, esqueço que tudo tem uma moldura. Em volta daqueles dentes há toda uma pessoa, uma boca que beija e fala comigo, uma cabeça que pensa, cabelos, mãos e todos os acessórios que costumam vir no pacote dos seres humanos completos.
Vira uma espécie de obsessão instantânea. Não quero aquela pessoa. Não quero aquele sorriso. Não quero a língua em mim, nem a boca que a contém. Quero só a imagem dos dentes, um frame perfeito congelado no tempo. Alguma coisa que eu possa guardar para sempre. Nunca vi nada tão lindo!
E não falo dessa beleza de revista, de expor as carnes como num açougue para ver qual peça de picanha ou filé nos aguça o paladar. Falo daquela beleza subjetiva, de uma espécie de revelação que acontece, mas que a gente não consegue explicar, dimensionar, sei lá.
Fico imaginando um jeito de capturar esses dentes. Arrancar um a um como fez o louco do conto de Poe com a pobre Berenice? Nem pensar! Trágico demais. Pedir para tirar um molde e confeccionar um modelo em gesso, um souvenir? Frio demais. Não me deixaria feliz.
Então, para ter os dentes, só há uma maneira viável. É preciso que todo o resto acompanhe o conjunto de pedaços brancos que me fascinam. Isso implica ter a boca, os olhos, os cabelos, o pau, os pés, e eu não quero. Só quero os dentes, os dentes, os dentes.
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