terça-feira, 27 de janeiro de 2009

ACASOS FELINOS


Paulo Mota

Foram coincidências. E as tragédias que se sucederam, consequências de minhas excitações alcóolicas.O primeiro gato, Pluto, enforquei,após furar-lhe um olho. Horas depois, minha casa pegou fogo. Coincidência, é claro, como também o fato da única parte que sobrou intacta do prédio apresentar um desenho, feito de marcas de fuligem, semelhante ao de um gato pendurado por uma corda.

O segundo, que encontrei vagando pela rua e que acolhi , como expiação pela morte de Pluto, parecia muito com ele: era preto e também não tinha um olho. Diferenciava-os somente uma mancha branca no pescoço parecendo marca de corda. Reencarnação? Não, acaso. Tenho certeza.

Como era fácil prever, meus excessos alcóolicos levaram-me à maior das tragédias. Em acesso de fúria, matei minha esposa, emparedei o cadáver no porão da casa e, sem me dar conta disso, o gato, vivo . O animal tinha paixão pela dona, passava os dias rondando-a e deve ter entrado no vão da parede, antes que eu o fechasse por completo. Quando a policia vistoriou o porão, à procura de pistas que explicassem o desaparecimento da mulher, bati com a bengala na parede- para gabar-lhe a solidez- e o gato miou no túmulo, revelando o crime.Vingança de reencarnado? Não. Imprudência minha, causada pelo maior dos males, a bebida.

Agora , vejo o gato rondando minha cela há três dias. . Ora aparece em um canto da porta gradeada, ora surge na janelinha alta que dá para o pátio interno da cadeia. Parece cumprir um ritual de espera. Tem o aspecto bem melhor do que o daquele dia em que o desemparedaram,mas seu único olho cintila com brilho especial. Nenhum mistério, porém, envolve seu reaparecimento: ele foi " adotado" por um dos policiais que esteve, naquele dia fatídico, no porão de minha casa.

Considerando que são coincidências, mesmo levando-se em conta que tudo envolve um só personagem- um gato preto- por que, há três dias , não durmo? Por que este pavor, se tudo o que houve antes tem explicação racional? Por que acho que, se dormir, amanhecerei com os olhos vazados por garras felinas?

Neste fim de tarde, por exemplo, ele está ali, na janelinha, olhando-me fixamente . E eu preciso tanto dormir.

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