Denise Ravizzoni
(Para Poe, com carinho)
Ela não se achava propriamente bonita. Talvez os outros a achassem. Tinha a beleza que era de se esperar das mulheres da sua idade. O rosto era mais jovem que o corpo. A alma era um muito mais velha. Mas seu maior encanto era um incrível par de olhos enigmáticos, de um verde meio castanho lembrando o musgo das pedras. Podiam ser profundos, calmos, melancólicos, aflitos, promissores, desesperados. Ou tudo ao mesmo tempo, se ela assim desejasse. Olhos de cobra ou de esfinge. Olhos de salvação ou olhos de abismo.
Era com tal olhar que cativava os ouvintes, que prendia a atenção, que acalmava as crianças, que enfeitiçava os amigos, que seduzia seus homens. Não havia quem não amasse tais olhos. Mesmo quem não tinha por ela nenhum apreço, quem a detestava mesmo, com força e com vontade, precisava reconhecer o prodígio de que aqueles olhos eram capazes.
E por essas esferas, de matéria para ela indefinida (de que são feitos os olhos, afinal?), é que seguia conhecendo a vida. Lia, estudava, via as cores, observava as pessoas, identificava padrões. Pelos olhos o mundo tinha passagem de entrada para o seu universo interior, para seus planetas particulares, suas órbitas privativas, seus outros tantos eus.
Tais olhos provocavam reações extremas. Havia quem mirasse o olhar de Beatriz e se sentisse imediatamente atingido por alguma coisa que não conseguia definir. E a procura de uma explicação para o mistério que tornasse tal olhar plausível, inteligível, humano, que desmontasse o mito dos olhos da mulher, às vezes se transformava em obsessão. Foi assim que aqueles olhos começaram a perder a luz e ganharam uma expressão sombria, que se tornava um pouco mais intensa a cada dia. Sombra do medo.
Beatriz se sentia observada por outros olhos, sempre os mesmos, sempre sedentos, sempre esquivos. Queria saber quem a espionava assim, quem a perseguia em todos os lugares, quem assistia aos seus menores movimentos. Não conseguia ver nada além do que todos viam.
Por outro lado, seu algoz queria enxergar através dos olhos de Beatriz. Queria ver o que ela via, queria a luz que ela absorvia. E assim se passavam os dias. Ele espreitava, ela fugia, e sabia que o encontro, mais cedo ou mais tarde, seria inevitável. Ela conseguia sentir o momento se aproximando, o dia em que ficaria frente a frente com quem, há tanto tempo, a observava. Sabia que, quando a hora chegasse, não perguntaria nada, e também nada ouviria. Sabia perfeitamente o que desejava o seu caçador e o que iria ceder para reconquistar a paz de viver em paz.
Então, no final de uma tarde fria - o sol poente manchava de sangue o azul limpo do céu, Beatriz pousou seu olhar no do homem que a perseguia com tamanha devoção que já o entendia como parte dela mesma, como conseqüência inevitável de existir. Olhando nos olhos do homem, sabia o que ele sentia, conseguia ler a angústia, a necessidade e a urgência que o moviam e faziam com que ele a seguisse, e também conseguia prever o que ia perder. Por isso não emitiu nenhum som quando ele se aproximou e o mundo escureceu. Por isso continuou calada quando ouviu os passos do homem se afastando, rápido e ofegante, carregando nas mãos manchadas de sangue os olhos verdes opacos, agora sem brilho e sem luz. Caiu de joelhos em seu novo mundo de trevas e, pela primeira vez em muito tempo, não sentiu sobre ela a lâmina fria e afiada da obsessão. O escuro, enfim, era seu descanso, sua trégua e seu conforto.
Era com tal olhar que cativava os ouvintes, que prendia a atenção, que acalmava as crianças, que enfeitiçava os amigos, que seduzia seus homens. Não havia quem não amasse tais olhos. Mesmo quem não tinha por ela nenhum apreço, quem a detestava mesmo, com força e com vontade, precisava reconhecer o prodígio de que aqueles olhos eram capazes.
E por essas esferas, de matéria para ela indefinida (de que são feitos os olhos, afinal?), é que seguia conhecendo a vida. Lia, estudava, via as cores, observava as pessoas, identificava padrões. Pelos olhos o mundo tinha passagem de entrada para o seu universo interior, para seus planetas particulares, suas órbitas privativas, seus outros tantos eus.
Tais olhos provocavam reações extremas. Havia quem mirasse o olhar de Beatriz e se sentisse imediatamente atingido por alguma coisa que não conseguia definir. E a procura de uma explicação para o mistério que tornasse tal olhar plausível, inteligível, humano, que desmontasse o mito dos olhos da mulher, às vezes se transformava em obsessão. Foi assim que aqueles olhos começaram a perder a luz e ganharam uma expressão sombria, que se tornava um pouco mais intensa a cada dia. Sombra do medo.
Beatriz se sentia observada por outros olhos, sempre os mesmos, sempre sedentos, sempre esquivos. Queria saber quem a espionava assim, quem a perseguia em todos os lugares, quem assistia aos seus menores movimentos. Não conseguia ver nada além do que todos viam.
Por outro lado, seu algoz queria enxergar através dos olhos de Beatriz. Queria ver o que ela via, queria a luz que ela absorvia. E assim se passavam os dias. Ele espreitava, ela fugia, e sabia que o encontro, mais cedo ou mais tarde, seria inevitável. Ela conseguia sentir o momento se aproximando, o dia em que ficaria frente a frente com quem, há tanto tempo, a observava. Sabia que, quando a hora chegasse, não perguntaria nada, e também nada ouviria. Sabia perfeitamente o que desejava o seu caçador e o que iria ceder para reconquistar a paz de viver em paz.
Então, no final de uma tarde fria - o sol poente manchava de sangue o azul limpo do céu, Beatriz pousou seu olhar no do homem que a perseguia com tamanha devoção que já o entendia como parte dela mesma, como conseqüência inevitável de existir. Olhando nos olhos do homem, sabia o que ele sentia, conseguia ler a angústia, a necessidade e a urgência que o moviam e faziam com que ele a seguisse, e também conseguia prever o que ia perder. Por isso não emitiu nenhum som quando ele se aproximou e o mundo escureceu. Por isso continuou calada quando ouviu os passos do homem se afastando, rápido e ofegante, carregando nas mãos manchadas de sangue os olhos verdes opacos, agora sem brilho e sem luz. Caiu de joelhos em seu novo mundo de trevas e, pela primeira vez em muito tempo, não sentiu sobre ela a lâmina fria e afiada da obsessão. O escuro, enfim, era seu descanso, sua trégua e seu conforto.
Adorei a ilustração. Obrigada, reverendo.
ResponderExcluirEu é que agradeço,Denise.
ResponderExcluirBelíssimo,belíssimo!
ResponderExcluirComo faço pra mandar?
gluglub
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